Wednesday, September 28, 2011

FOME X IGNORÂNCIA

Mauricio Aquino Médico Veterinário / Mestrando em Ciências da Saúde - UFAL
Aqui, o consumo de uma fonte de proteína exótica (Africano), considerada praga, poderia colaborar com o meio ambiente, desviando a atenção dos animais silvestres, hoje, predados para servirem de alimento, pelos rurícolas brasileiros, assim salvaríamos também, muitas pacas, tatus, cutias, gambás, cuicas, enfim, um longa lista. 

A fome pode ser classificada em aguda, que é momentânea e a crônica, que é permanente e ocorre quando não consumimos, diariamente, o suficiente para a manutenção de nosso organismo.
Um bilhão de pessoas, quase um sexto da população mundial, sofria de desnutrição em 2009, de acordo com Martins (2009, p.1) e embora o Brasil seja o quarto maior produtor mundial de alimentos, produzindo 25.7% a mais do que necessitamos para alimentar nossa sua população, ele também ocupa, entre todos os países no mundo, o 6° lugar em subnutrição.
“A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que anualmente desperdiçamos 26 milhões de toneladas de alimentos no país. O montante seria suficiente para alimentar 35 milhões dos cerca de 72 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, em situação de insegurança alimentar.” (ECODEBATES, 2009) De acordo com a FUNDAMIG (2009, P.1) o desperdício diário equivale a 39 mil toneladas de alimentos, quantidade suficiente para saciar a fome de 19 milhões de brasileiros, com as três refeições básicas: café da manhã, almoço e jantar.
“A Bahia é o estado brasileiro com a maior concentração de pessoas em situação de extrema pobreza (2,4 milhões), de acordo com dados Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. [...] Os três estados com maior número de pessoas em extrema pobreza estão no Nordeste - o segundo é o Maranhão (1,7 milhão) e o terceiro é o Ceará (1,5 millhão). O Pará, na região Norte, é o quarto (1,43 milhão). O quinto é Pernambuco (1,37 milhão) e, em sexto, está São Paulo (1,08 milhão). [...] O ministério informou que o Brasil tem 16,27 milhões de pessoas nessa condição.” (WSCOM, 2011) O estado de Alagoas aparece em 10º lugar e segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, temos 633.650 pessoas em extrema pobreza, o que representa 20.3% da população total do estado. (CALHEIROS, 2011)
Para que o governo possa assegurar segurança alimentar para toda a sua população, de acordo com o Bancodealimentos (2011, p.1), é importante discutir-se várias causas: cidadania; distribuição igualitária de alimentos e combate ao desperdício; superação da pobreza; escolaridade e saneamento básico; inserção social; geração de renda; quantidade e qualidade da alimentação.
Uma educação de qualidade, pelo menos em minha opinião, é prioridade entre todas as outras, pois dar o peixe ajuda a matar a fome, mas não ensina ninguém a pescar, contribuindo apenas, para a perpetuação do assistencialismo em favorecimento da miséria, o que só beneficia a curto prazo, a classe política dominante que, tradicionalmente, manipula esses eleitores na base do toma-lá-dá-cá.

Mas até que possamos colher os frutos da conscientização social em prol da segurança alimentar, o caracol africano, que a imprensa vem alardeando como uma praga nociva, na verdade, engendra algumas das qualidades essenciais para minimizar a desnutrição do país: abundância e alto valor nutricional. Segundo Agudo-Padrón (2011)o Achatina (Lissachatina) fulica (Bowdich, 1822) encontra-se hoje ocupando todos os Estados da União, confirmadamente desde o Roraima, RR até o Rio Grande do Sul, RS. E dos sete (7) Biomas biogeográficos de terra firme ocorrentes no Brasil, apenas o "Bioma Pampa" é o único ambiente natural que "ainda" não foi invadido pelo caracol exótico africano Achatina (Lissachatina) fulica (Bowdich, 1822). A sua Distribuição mais "Meridional" (ao Sul) no Continente da América do Sul encontra-se justo no Brasil, na cidade e Município de Torres, RS, domínio da Mata Atlântica limítrofe com o Bioma Pampa. Os registros conhecidos da espécie para os vizinhos países do Paraguai e da Argentina também correspondem ao domínio da Mata Atlântica.
Em setembro deste ano participei do encontro brasileiro de malacologia, que reuniu os maiores nomes do país no XXII EBRAM – 2011, em Fortaleza e durante um dos debates, sugeri que o caracol africano, presente hoje, em todos os estados brasileiros, poderia constituir-se numa alternativa alimentar de excelente qualidade, capaz de minimizar a desnutrição das comunidades mais carentes e para isso seria necessário apenas, eliminar-se o preconceito alimentar. Esta prática contribuiria ainda para o eficiente controle do Caracol Africano, como vem ocorrendo, contemporaneamente, na China.
Não é preciso dizer que a sugestão gerou um debate exaltado entre eu e alguns pesquisadores que fingem desconhecer a realidade da fome no Brasil, ou pior, desconhecem mesmo!
Atualmente, o Brasil lidera o processo de extinção de de "caracóis nativos endêmicos" no continente sulamericanos, muitos deles ameaçados de extinção devido a ação antrópica. Mas essa situação começa a mudar, pois há um consenso quase generalizado de que a "Campanhas Públicas Terrorístas - Doentías e Mal Conduzidas" desde o ano de 2003 "Pro Erradicação do Caracol Africano (Achatina fulica) no Meio Ambiente do Brasil” têm como reflexo, a aceleração do processo de extinção das nossas espécies nativas de caracóis terrestres, especialmente os representantes específicas das Famílias BULIMULIDAE, STROPHOCHEILIDAE e MEGALOBULIMIDAE, muitas delas formas raras, endêmicas e no geral muito pouco conhecidas cientificamente até hoje. E o pior é que o Brasil, com suas dimensões continentais e aparente desenvolvimento, vem influenciando seus "vizinhos territoriais" a seguir a mesma trilha desastrosa (AGUDO-PADRÓN, 2011)
Mesmo assim outras sandices vêm sendo praticadas, entre elas, a difusão em larga escala de inverdades que definem o Africano como espécie não comestível, como hospedeiro intermediário responsável pela transmissão de um significativo número de casos de Meningite Eosinofílica, como se ele fosse o único capaz de transmiti-las no país ou até identificá-la como transmissora da esquistossomose, uma gravíssima doença transmitida por outro gênero de molusco nativo.
Resumidamente, podemos citar, de acordo com Thiengo et al. (2010, p.198) a ocorrência de apenas 4 casos de Meningite Eosinofílica no país nos últimos anos devido, exclusivamente, a ingestão de moluscos crus. Dois casos no Espírito Santo e dois em Pernambuco. (CALDEIRA et al., 2007)
NENHUM DESSES CASOS ESTÃO ASSOCIADOS AO CARACOL AFRICANO!
Além do Africano, outros moluscos têm sido apontados como hospedeiros intermediários do A. cantonensis: Sarasinula marginata, Subulina octona, Bradybaena similaris, Pomacea lineata e o Pomacea canaliculata Mas devem existir muitos outros, pois, de acordo com Thiengo et al., (2010, p.198) o A. cantonensis e outras espécies congêneres como o A. costaricensis tem baixa especificidade em relação aos seus hospedeiros intermediários e vários moluscos terrestres e aquáticos tem sido encontrados naturalmente infectados.
Outra revelação é a citação de Maldonado Júnior et al. (2010) que sugere que a distribuição silvestre do A. cantonensis no Brasil seja fruto, provavelmente, de múltiplas introduções do parasita desde o período colonial, devido ao intenso comércio existente na época que favoreceu a introdução de ratos infestados pelo parasita. Logo, tudo leva a crer que a ME é uma enfermidade muito rara, pois já deveríamos tê-la diagnosticado anteriormente no Brasil já que o parasito e os seus hospedeiros intermediários estão aqui há séculos.
Este é mais um argumento que me leva a sugerir o uso do Caracol Africano como alimento para a população e como forma de controle populacional.
Fagbuaro (2006, p.688) assegura que o Africano é uma boa fonte de proteínas (18 ~ 21%) onde na Nigéria, um único caracol pequeno, com 25 gramas, fornece 45% da necessidade diária de PTN de uma criança. Hoje em dia, caracol é uma parte significativa e essencial da dieta diária de várias tribos no litoral nigeriano. O caracol é rico em minerais como zinco, magnésio, cálcio, fósforo, potássio, sódio e ferro.
De acordo com Bender (1992) o ferro presente na carne de caracóis é 35% absorvido pelo nosso organismo, contra 1 ~ 10% do ferro presente em alimentos de origem vegetal. Portanto, o consumo do Caracol Africano não só é recomendável, mas pode minimizar a desnutrição milhões de jovens e adultos em nosso país e, quem sabe, salvar milhares de vidas.
Mas para isso, o preconceito generalizado contra o caracol africano deve ser combatido com todas as armas disponíveis. Dessa forma o copo meio vazio seria visto como meio cheio e com esta simples aceitação da realidade, estaríamos transformando um problema, numa solução.


“Não se chegará jamais à paz com o mundo dividido entre a abundância e a miséria, o luxo e a pobreza, o desperdício e a fome. É preciso acabar com essa desigualdade social”.
Josué de Castro

Referências:

AGUDO-PADRÓN, A. Ignacio. Projeto "Avulsos Malacológicos - AM", Florianópolis/ SC, Com. pers. 2011.

BANCODEALIMENTOS. Consolidação da segurança alimentar e nutricional no Brasil. Disponível em: Acesso em: 28/09/2011

BENDER, A., 1992. Meat and meat products in human nutrition in developing countries FAO Food and Nutrition. FAO, Rome, p.53. Disponível em: Acesso em: 28/09/2011

CALDEIRA, Roberta Lima; MENDONÇA, Cristiane LGF; GOVEIA, Christiane Oliveira. First record of molluscs naturally infected with Angiostrongylus cantonensis (Chen, 1935) (Nematoda: Metastrongylidae) in Brasil. Mem Inst Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 102, n. 7, p.887-889, nov. 2007. Mensal.

CALHEIROS, Valdete. Segurança Alimentar é desafio em Alagoas. Disponível em: < http://www.ojornalweb.com/2011/09/25/seguranca-alimentar-e-desafio-em-alagoas/> Acesso em: 26/09/2011.

ECODEBATE. Volume de alimentos desperdiçados no país alimentaria 35 milhões de pessoas. Disponível em: Acesso em: 26/09/2011.

FAGBUARO, O. et.al. Nutritional status of four species of giant land snails in Nigeria. Journal of Zhejiang University SCIENCE B. Nigériga. 2006 7(9):686-689. Disponível em: Acesso em: 23/09/2011

FUNDAMIG. A lixeira não sente fome. Disponível em: Acesso em: 28/09/2011

MALDONADO JúNIOR, Arnaldo et al. First report of Angiostrongylus cantonensis (Nematoda: Metastrongylidae) in Achatina fulica (Mollusca: Gastropoda) from Southeast and South Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, p. 938-941. nov. 2010. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2011.

MARTINS, Fernanda. ONU Avalia que a fome no mundo cresceu: Combinação de crise alimentar com a desaceleração econômica global fez com que esse número aumentasse em 2009. Espaço Cidania. Disponível em: Acesso em: 26 set. 2011.

THIENGO, S.C. et al. The giant African snail Achatina fulica as natural intermediate host of Antiostrongylus cantonensis in Pernambuco, northeast Brasil. Acta Tropica, Rio de Janeiro, p. 194-199. 18 jan. 2010.

WSCOM. Bahia é o estado com mais pessoas em situação de miséria, diz governo: Segundo ministério, Bahia tem 2,4 milhões de extremamente pobres. Nordeste é a região que concentra maioria de pessoas nessa condição. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2011.

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