Thursday, March 8, 2012

MENINGITE EOSINOFÍLICA POR CARACÓIS NATIVOS BRASILEIROS NA ÁSIA: E agora Brasil? O Africano não era o único?

MV Mauricio Aquino / Mestrando do curso de Ciências da Saúde UFAL
A Meningite Eosinofílica é uma doença parasitária potencialmente fatal, causada pelo verme Angiostrongylus cantonensis. É uma doença grave que já causou em todo o mundo, no mínimo, “2.827 óbitos [...] devidamente documentados. [...] Os seres humanos são infectados de várias maneiras, pois o ciclo de vida deste parasita envolve diferentes hospedeiros intermediários entre moluscos comestíveis e uma gama de hospedeiros de transporte, onde o parasita não evolui.” (WANG, Q.P. et. al. 2011, p.1)
De acordo com Vitta et al. (2011, p. 597) o nematódeo A. cantonensis é encontrado em diversas partes do mundo, sendo um problema, particularmente, no sudeste da Ásia e nas ilhas do pacífico onde o seu consumo cru ou mal cozido é uma prática frequente.  Dos 2.827 casos de angiostrongilíase humana reportados em todo o mundo, mais da metade, 1.337, ocorreram na Tailândia e apesar das quatro espécies encontradas nesse país (A. cantonensis, A. siamensis, A. malaysiensis e Thaistrongylus harinasuti) apenas o A. cantonensis vem sendo responsabilizado pela transmissão de enfermidades. De acorco com Lai, Yen e Chin (2007. P.39), Nomura e Lin descreveram o primeiro caso de Meningite Eosinofílica produzida por Angiostrongylus cantonensis em 1945.
O Caracol Africano (Achatina fulica) é frequentemente apontado como o transmissor desta doença, mas o que ninguém comenta é que ele não é o único animal a transmití-la. Segundo Chrosciechowski (1977) a falta de especificidade do A. cantonensis em relação aos seus hospedeiros intermediários e paratênicos é surpreendente, citando uma longa lista de moluscos gastrópodes terrestres e de água doce (caramujos, caracóis e lesmas) capazes de se infectar por via natural ou experimental, hospedando larvas infectantes deste perigoso parasito de roedores. 
 “Em seu ciclo normal, as larvas de terceiro estágio do A. cantonensis podem utilizar hospedeiros paratênicos, quer dizer, animais em cujo organismo pode sobreviver um período mais ou menos prolongado, sem sofrer nenhuma mudança. O hospedeiro paratênico, ao ingerir um molusco infectado ou seus despojos, se torna reservatório de A. cantonensis. Também as plantas (por exemplo, as verduras cruas) e a água podem ser reservatórios ocasionais, por contato com um molusco esmagado. Deste modo os roedores e também o homem podem infectar-se mediante ingestão tanto do hospedeiro intermediário (molusco), como de qualquer outro reservatório. [...] É surpreendente a falta de especificidade do A. cantonensis em relação aos seus hospedeiros intermediários e de seus portadores. Diversos autores: Alicata (1), Kocan (12), Lim & Heyneman (13), Malek & Cheng (14), Rachford (15), Richards & Merritt (17), etc., apresentam uma longa lista de moluscos gastrópodes terrestres e de água doce, caracóis e lesmas, infectados por via natural ou experimental, hospedando larvas infectantes em sua terceira fase. Entre esses moluscos encontramos também diferentes espécies venezuelanas; por exemplo, Biomphalaria glabrata, conhecido como o hospedeiro intermediário de Schistosama mansoni, ao ser exposto em laboratório, resultou ser um excelente hospedeiro intermediário de A. cantonensis. E há que ter em mente que a lista de espécies de moluscos suscetíveis seguirá ampliando-se, à medida que se realizem novos experimentos”. (CHROSCIECHOWSKI, 1977, p.296)
Segundo Lai, Yen e Chin (2007, p.399) em Taiwan os principais hospedeiros intermediários são o caracol africano e o caramujos maçã dourada (Pomacea canaliculata). A planária, caranguejos, camarões, peixes, rãs e sapos são também conhecidos como hospedeiros paratênicos ou transporte, entretanto, se eles servem como fonte de infecção para humanos isso ainda é desconhecido.  Dois casos humanos de angiostrongilíase, provavelmente causada pela ingestão de fígado fresco sapo foram relatados. Um dos casos de meningite eosinofílica causada por A. cantonensis  ocorreu após a ingestão de músculos e ossos de rã-primas, utilizados pela  medicina tradicional chinesa.
No Caribe, legumes e condimentos contaminados foram responsabilizados por um surto na Jamaica. O lagarto monitor é considerado a principal fonte de infecção na Índia e no Sri Lanka e nas ilhas do Pacífico os principais suspeitos são camarões de água doce, os peixes e os caranguejos. No Brasil, onde ocorreram seis casos até agora, o caracol africano (Achatina fulica) ainda não foi a causa de nenhum deles.
Mas o que ninguém esperava é que o maior responsável pela epidemia em Dali, na China, entre outubro de 2007 a março de 2008, com 19 casos clinicamente confirmados e 22 suspeitos fosse, na verdade, um caramujo invasor de origem brasileira, o Pomacea canaliculata que, nos últimos 10 anos assumiu uma importância maior que o próprio A. fulica na transmissão dessa doença na Ásia.
O Pomacea canaliculata foi introduzido como alimento em Taiwan em 1979 e depois, na China em 1981. Adaptou-se bem ao meio ambiente, particularmente ao sul da China, espalhando-se rapidamente para mais de 10 províncias, causando enormes danos à agricultura: milhares de hectares de arroz, verduras e outras culturas nessas províncias foram destruídos.
Os principais sinais clínicos são fortes dores de cabeça e o principal achado hematológico é a alta contagem de eosinófilos no sangue e no líquido falorraquidiano (LCR). O tratamento adotado contra a Meningite Eosinofílica é uma combinação de anti-parasitários como o albendazol e corticosteróides, que em Dali, resultou em significativa melhora dos pacientes tratados. Do total de paciente, 22 relataram o consumo de Pomacea canaliculata crus ou mal cozidos antes do início dos sintomas. A fonte da epidemia foi o mercado da cidade onde 1% dos caracóis comercializados estavam infectados pelo Angiostrongylus  cantonensis.  Nas populações de caramujos asselvajados pesquisadas no entorno de Dali o parasita não foi detectado.
No Brasil, nossa preocupação há alguns anos é com o caracol africano (Achatina fulica) e o seu “potencial” como hospedeiro intermediário do A. cantonensis, no entanto, o que esta pesquisa chinesa claramente evidencia é que o nosso caramujo nativo, conhecido pelo nome de Aruá (Pomacea canaliculata), pode vir a desempenhar um papel muito mais preocupante que o próprio Achatina fulica. Neuhauss et.al. (2007) submeteu o caracol africano a infecções experimentais por A. cantonensis e A. costaricensis e constatou que ele “não representa [...] uma ameaça significativa para a saúde humana” no Brasil, pois não se comporta, propriamente, com um vetor significativo.
O artigo chinês é surpreendente e contribui para lançar luz à escuridão, demonstrando, claramente, que o problema no Brasil não é a presença do caracol invasor africano que, raramente, pode ser hospedeiro intermediário ao A. cantonensis e transmitir a Meningite Eosinofílica, mas sim, a grande fragilidade da fiscalização sanitária em nossas duanas que já permitiu, aparentemente, a entrada do principal hospedeiro definitivo contaminado do A. cantonensis em duas cidades portuárias no país, Vitória e Recife, onde diagnosticou-se os dois casos de Meningite Eosinofilica no país, em 24 anos.
Junior et al. (2010, p.940) publicou uma importante conclusão, a de que a distribuição silvestre do A. cantonensis no Brasil, provavelmente, é o resultado de múltiplas introduções do parasita por ratos desde o período colonial brasileiro, justificativa do intenso comércio praticado na época com o continente Africano. Portanto, a ocorrência deste parasito no país, pelo que tudo indica, não é decorrente da presença do Achatina fulica já que o A. cantonensis já estava aqui, de acordo com Junior et al. (2010, p.940), muito antes da introdução do primeiro Africano há apenas duas décadas. 
Minha sugestão é que, a energia e os recursos desperdiçados nas tentativas infrutíferas para o controle do Achatina fulica sejam imediatamente redirecionados para pesquisas que apontem formas de controle através do aproveitamento racional do invasor e para aperfeiçoar, especialmente, o controle das principais portas de entrada de roedores contaminados no Brasil, especialmente, os portos e aeroportos pois, mesmo que consigamos erradicar o Achatina fulica no país, dificilmente poderemos erradicar o caramujo nativo Pomacea canaliculata que constitui, em algumas regiões, um precioso recurso alimentar.
 Referências:

JÚNIOR, A. M. et al. 2010. First report of Angiostrongylus cantonensis (Nematoda: Metastrongylidae) in Achatina fulica (Mollusca: Gastropoda) from Southeast and South Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 105(7): 938-941. Disponível em: <http://www.bioline.org.br/pdf?oc10161> Acesso em: 23 set. 2011.
MARTÍN, P.R., ESTEBENET, A.L. e CAZZANIGA, N.J. Factors affecting the distribution of Pomacea canaliculata (Gastropoda: Ampullariidae) along its southernmost natural limit. Malacologia, vol. 43, 2001, p. 13-23.
NEUHAUSS, Erli; FITARELLI, Monaliza; ROMANZINI, Juliano; GRAEFFETEIXEIRA, Carlos. Low susceptibility of Achatina fulica from Brazil to infection with Angiostrongylus costaricensis e A. Cantonensis. Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Laboratório de Biologia Parasitária, Faculdade de Biociências da PUCRS. Porto Alegre, RS, 2007.
SHANG Lv, et.al. Human Angiostrongyliasis outbreak in Dali, China. PLOS Neglected Tropical Diseases. Setembro de 2009, vol. 3, p. 1-7.
WANG Q.P. et. al. Human angiostrongyliasis. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18922484. Acesso: 06/06/2011
VITTA, Apichat et al. Survey of Angiostrongylus cantonensis in rats and giant african land snails in Phitsanulok province, Thailand. Asian Pacific Journal Of Tropical Medicine, Phitsanulok, Thailand, p. 597-599. ago. 2011.

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