MV Mauricio Aquino / Mestrando do curso de Ciências da Saúde UFAL
A Meningite Eosinofílica é uma doença parasitária
potencialmente fatal, causada pelo verme Angiostrongylus cantonensis. É uma
doença grave que já causou em todo o mundo, no mínimo, “2.827 óbitos [...]
devidamente documentados. [...] Os seres humanos são infectados de várias
maneiras, pois o ciclo de vida deste parasita envolve diferentes hospedeiros intermediários entre moluscos comestíveis e
uma gama de hospedeiros de transporte, onde o parasita não evolui.”
(WANG, Q.P. et. al. 2011, p.1)
De
acordo com Vitta et al. (2011, p. 597) o nematódeo A. cantonensis é
encontrado em diversas partes do mundo, sendo um problema, particularmente, no
sudeste da Ásia e nas ilhas do pacífico onde o seu consumo cru ou mal cozido é
uma prática frequente. Dos 2.827 casos
de angiostrongilíase humana reportados em todo o mundo, mais da metade, 1.337,
ocorreram na Tailândia e apesar das quatro espécies encontradas nesse país (A.
cantonensis, A. siamensis, A. malaysiensis e Thaistrongylus
harinasuti) apenas o A. cantonensis vem sendo
responsabilizado pela transmissão de enfermidades. De acorco com Lai, Yen e Chin (2007.
P.39), Nomura e Lin descreveram o primeiro
caso de Meningite Eosinofílica produzida por Angiostrongylus cantonensis
em 1945.
O Caracol Africano (Achatina fulica) é
frequentemente apontado como o transmissor desta doença, mas o que ninguém
comenta é que ele não é o único animal a transmití-la. Segundo Chrosciechowski
(1977) a falta de especificidade do A. cantonensis em relação aos seus
hospedeiros intermediários e paratênicos é surpreendente, citando uma longa
lista de moluscos gastrópodes terrestres e de água doce (caramujos, caracóis e
lesmas) capazes de se infectar por via natural ou experimental, hospedando
larvas infectantes deste perigoso parasito de roedores.
“Em seu ciclo normal, as larvas de terceiro
estágio do A. cantonensis podem utilizar hospedeiros paratênicos, quer dizer,
animais em cujo organismo pode sobreviver um período mais ou menos prolongado,
sem sofrer nenhuma mudança. O hospedeiro paratênico, ao ingerir um molusco
infectado ou seus despojos, se torna reservatório de A. cantonensis. Também as
plantas (por exemplo, as verduras cruas) e a água podem ser reservatórios
ocasionais, por contato com um molusco esmagado. Deste modo os roedores e
também o homem podem infectar-se mediante ingestão tanto do hospedeiro
intermediário (molusco), como de qualquer outro reservatório. [...] É
surpreendente a falta de especificidade do A. cantonensis em relação aos seus
hospedeiros intermediários e de seus portadores. Diversos autores: Alicata (1),
Kocan (12), Lim & Heyneman (13), Malek & Cheng (14), Rachford (15),
Richards & Merritt (17), etc., apresentam uma longa lista de moluscos
gastrópodes terrestres e de água doce, caracóis e lesmas, infectados por via
natural ou experimental, hospedando larvas infectantes em sua terceira fase.
Entre esses moluscos encontramos também diferentes espécies venezuelanas; por
exemplo, Biomphalaria glabrata, conhecido como o hospedeiro
intermediário de Schistosama mansoni, ao ser exposto em laboratório, resultou
ser um excelente hospedeiro intermediário de A. cantonensis. E há que
ter em mente que a lista de espécies de moluscos suscetíveis seguirá
ampliando-se, à medida que se realizem novos experimentos”. (CHROSCIECHOWSKI,
1977, p.296)
Segundo Lai,
Yen e Chin (2007, p.399) em Taiwan os
principais hospedeiros intermediários são o caracol africano e o caramujos maçã
dourada (Pomacea canaliculata). A planária, caranguejos,
camarões, peixes, rãs e sapos são também conhecidos como hospedeiros
paratênicos ou transporte, entretanto, se eles servem como fonte de infecção
para humanos isso ainda é desconhecido. Dois casos
humanos de angiostrongilíase, provavelmente causada pela ingestão de fígado
fresco sapo foram relatados. Um dos casos de
meningite eosinofílica causada por A. cantonensis ocorreu
após a ingestão de músculos e ossos de rã-primas,
utilizados pela medicina tradicional chinesa.
No Caribe, legumes e condimentos contaminados foram
responsabilizados por um surto na Jamaica. O lagarto monitor é considerado a
principal fonte de infecção na Índia e no Sri Lanka e nas ilhas do Pacífico os
principais suspeitos são camarões de água doce, os peixes e os caranguejos. No Brasil, onde ocorreram seis casos até
agora, o caracol africano (Achatina
fulica) ainda não foi a causa de nenhum deles.
Mas
o que ninguém esperava é que o maior responsável pela epidemia em Dali, na
China, entre outubro de 2007 a março de 2008, com 19 casos clinicamente
confirmados e 22 suspeitos fosse, na verdade, um caramujo invasor de origem brasileira,
o Pomacea
canaliculata que, nos últimos 10 anos assumiu uma importância maior que
o próprio A. fulica na transmissão dessa doença na Ásia.
O Pomacea
canaliculata foi introduzido como alimento em Taiwan em 1979 e depois,
na China em 1981. Adaptou-se bem ao meio ambiente, particularmente ao sul da
China, espalhando-se rapidamente para mais de 10 províncias, causando enormes
danos à agricultura: milhares de hectares de arroz, verduras e outras culturas
nessas províncias foram destruídos.
Os
principais sinais clínicos são fortes dores de cabeça e o principal achado
hematológico é a alta contagem de eosinófilos no sangue e no líquido
falorraquidiano (LCR). O tratamento adotado contra a Meningite Eosinofílica é
uma combinação de anti-parasitários como o albendazol e corticosteróides, que
em Dali, resultou em significativa melhora dos pacientes tratados. Do total de
paciente, 22 relataram o consumo de Pomacea canaliculata crus ou mal
cozidos antes do início dos sintomas. A fonte da epidemia foi o mercado da cidade
onde 1% dos caracóis comercializados estavam infectados pelo Angiostrongylus cantonensis. Nas populações de caramujos asselvajados
pesquisadas no entorno de Dali o parasita não foi detectado.
No
Brasil, nossa preocupação há alguns anos é com o caracol africano (Achatina
fulica) e o seu “potencial” como hospedeiro intermediário do A.
cantonensis, no entanto, o que esta pesquisa chinesa claramente
evidencia é que o nosso caramujo nativo, conhecido pelo nome de Aruá (Pomacea
canaliculata), pode vir a desempenhar um papel muito mais preocupante
que o próprio Achatina fulica. Neuhauss et.al. (2007) submeteu o caracol
africano a infecções experimentais por A. cantonensis e A.
costaricensis e constatou que ele “não representa [...] uma ameaça
significativa para a saúde humana” no Brasil, pois não se comporta,
propriamente, com um vetor significativo.
O
artigo chinês é surpreendente e contribui para lançar luz à escuridão,
demonstrando, claramente, que o problema no Brasil não é a presença do caracol
invasor africano que, raramente, pode ser hospedeiro intermediário ao A.
cantonensis e transmitir a Meningite Eosinofílica, mas sim, a grande
fragilidade da fiscalização sanitária em nossas duanas que já permitiu,
aparentemente, a entrada do principal hospedeiro definitivo contaminado do A.
cantonensis em duas cidades portuárias no país, Vitória e Recife, onde
diagnosticou-se os dois casos de Meningite Eosinofilica no país, em 24 anos.
Junior et al. (2010, p.940) publicou uma
importante conclusão, a de que a distribuição silvestre do A. cantonensis no Brasil,
provavelmente, é o resultado de múltiplas
introduções do parasita por ratos desde o período colonial brasileiro,
justificativa do intenso comércio praticado na época com o continente Africano.
Portanto, a ocorrência deste parasito no país, pelo que tudo indica, não é
decorrente da presença do Achatina fulica já que o A.
cantonensis já estava aqui, de acordo com Junior et al. (2010, p.940),
muito antes da introdução do primeiro Africano há apenas duas décadas.
Minha
sugestão é que, a energia e os recursos desperdiçados nas tentativas infrutíferas
para o controle do Achatina fulica sejam imediatamente redirecionados para
pesquisas que apontem formas de controle através do aproveitamento racional do
invasor e para aperfeiçoar, especialmente, o controle das principais portas de
entrada de roedores contaminados no Brasil, especialmente, os portos e
aeroportos pois, mesmo que consigamos erradicar o Achatina fulica no país,
dificilmente poderemos erradicar o caramujo nativo Pomacea canaliculata que
constitui, em algumas regiões, um precioso recurso alimentar. ☼
Referências:
JÚNIOR, A. M. et
al. 2010. First
report of Angiostrongylus cantonensis (Nematoda: Metastrongylidae) in Achatina
fulica (Mollusca: Gastropoda) from Southeast and South Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 105(7):
938-941. Disponível em: <http://www.bioline.org.br/pdf?oc10161> Acesso em: 23 set. 2011.
MARTÍN, P.R., ESTEBENET, A.L. e CAZZANIGA, N.J. Factors affecting the
distribution of Pomacea canaliculata (Gastropoda: Ampullariidae) along its
southernmost natural limit. Malacologia,
vol. 43, 2001, p. 13-23.
NEUHAUSS, Erli; FITARELLI,
Monaliza; ROMANZINI, Juliano; GRAEFFETEIXEIRA, Carlos. Low susceptibility of Achatina
fulica from Brazil to infection with Angiostrongylus costaricensis e A.
Cantonensis. Pontificia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Laboratório de Biologia Parasitária,
Faculdade de Biociências da PUCRS. Porto Alegre, RS, 2007.
SHANG Lv, et.al. Human Angiostrongyliasis outbreak in Dali, China. PLOS
Neglected Tropical Diseases. Setembro de 2009, vol. 3, p. 1-7.
WANG Q.P. et. al. Human angiostrongyliasis.
Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18922484. Acesso: 06/06/2011
VITTA, Apichat et al. Survey of
Angiostrongylus cantonensis in rats and giant african land snails in
Phitsanulok province, Thailand. Asian Pacific Journal Of Tropical Medicine, Phitsanulok,
Thailand, p. 597-599. ago. 2011.
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