Friday, August 12, 2011

CIÊNCIA E PRECONCEITO publicado no jornal A GAZETA DE ALAGOAS


Por Mauricio Carneiro Aquino MV.
Mestrando em Ciências da Saúde, UFAL
Orientando da Dra. Marília Goulart
projeto@caramujoafricano.com
www.caramujoafricano.com


A anemia afeta o crescimento e o desenvolvimento físico e mental das crianças, acarretando sonolência, diminuição da atenção, da acuidade mental e da capacidade de fixação, o que leva ao comprometimento do rendimento escolar e em casos extremos, a morte.
Aparentemente, apesar de todo marketing social da máquina governamental, de acordo com o Ministério da Saúde, a mortalidade por carência ferropriva no país, vem aumentando nos últimos anos. Percebam que eu estou me referindo, exclusivamente, as mortes declaradas por anemia por carência de ferro, no entanto, não podemos nos esquecer que existem mortes não informadas e/ou incorretamente diagnosticadas que contribuem para o enxugamento dos dados acima.

Dados divulgados recentemente “alertam sobre a incidência de casos de anemia em crianças de todo o Brasil, principalmente na região nordeste do país. Os números revelam que 82,7% das crianças com idade entre onze e treze meses de idade [...] apresentam quadro de anemia, um dos problemas nutricionais mais presentes em todo o mundo. [...] Entre os principais fatores que contribuem para a diminuição da doença estão o aleitamento materno, exclusivo até os seis meses de vida, implantação de programas de saneamento básico, erradicação de doenças infecciosas e parasitárias e maior ingestão de alimentos enriquecidos com ferro como farinhas de trigo, leite e demais alimentos infantis’, conta a especialista.” (NORDESTETUDOTEM.COM, p.1, 2011)
No Brasil e nos países em desenvolvimento em geral, a anemia causada pela carência de ferro na alimentação é mais comum em crianças e mulheres. Esta anemia, agravada por doenças como a malária, contribui para 1/5 das mortes maternas em todo o planeta, segundo a Organização Mundial de Saúde.
Na expectativa de minimizar esses índices, o pesquisador africano, [...] Pa Tamba Ngom, do programa de nutrição médica da Gâmbia Research Council, publicou um artigo interessante, declarando que a carne de caracol é rica em ferro e tem figurado na dieta dos países asiáticos e do povo africano que vive em regiões florestais há milhares de anos, colaborando, dessa forma, para minimizar os efeitos deste tipo de anemia. “No oeste africano, no Senegal e Gambia, o caracol é muito popular e é o principal ingrediente do Benachin, um prato típico, uma espécie de risoto’.“ (AHEL, 2010, p.1)
O valor calórico por 100 gr de carne de caracol varia entre 60-80 Kcal. Os caracóis são compostos por água (70-85%), sendo pobres em gordura (0,3-0,8%) e com um teor protéico entre 13 e 15%. É rica em minerais, sobretudo em Cálcio, Ferro, Magnésio, Cobre e Zinco.
Ahel (2010, p.1) cita que Ukpong Udofia, nutricionista da Universidade de Uyo, também analisou o valor nutricional da carne de caracol e concluiu que “ela tem um alto teor de ferro e proteínas [...] além de conter muitos nutrientes essenciais, como cálcio, magnésio e vitamina A. [...] Udofia testou o sabor e aceitação dos caracóis solicitando a opinião de um grupo de mães e crianças em idade escolar, que opinaram entre uma torta feita de caracóis e outra, de carne. A maioria preferiu a aparência, a textura e o sabor da torta de caracóis.”
Afirmar, simplesmente, que não existe o hábito de comer caracóis no Brasil não é uma verdade absoluta. Em Alagoas, onde resido, há relatos de comunidades ribeirinhas no São Francisco que se utilizam do Pomacea como alimento; um caramujo de água doce mais conhecido pelo nome de Aruá. Este hábito também é compartilhado em São Luiz do Quitunde, no interior do estado, pela fazendeira Dona Jurancirce, onde o Aruá é apreciado como uma iguaria nos dias de festa. A receita tradicional foi herdada pela mãe de sua cozinheira, nativa, que prepara os caramujos à moda da tradicional moqueca ao leite de coco e o seu sabor e textura, de acordo com Jurandirce é semelhante ao do sururu, uma espécie de marisco muito consumido no estado, principalmente, no litoral.
Apesar dos benefícios significativos dos caracóis para a alimentação humana, há pelo menos 20 anos, a imprensa brasileira vem profetizando afirmações de técnicos pessimistas afirmando que o caracol africano produziria epidemias com grande mortalidade junto à população humana; que arrasaria plantações de interesse comercial trazendo a fome além de grandes prejuízos econômicos ao campo e seria responsável pela extinção de espécies da flora e fauna nativas brasileiras. Previsões alarmistas que não se concretizaram, mas que estão gerando muitos prejuízos aos caracóis e lesmas nativas que viraram alvo de agressões gratuitas da população mal informada. Por conta disso, atualmente, o Megalobulimus, o maior caracol brasileiro, entrou para a lista das espécies ameaçadas de extinção.
A verdade é que essa campanha nefasta contra o Caracol Africano (Achatina fulica) e o desrespeito à população brasileira, que encontrou na imprensa, a mais nova fonte de terrorismo jornalístico, praticamente se sustenta através da divulgação de informações inverídicas ou exageradas sobre o risco da transmissão dois parasitos, o Angiostrongylus cantonensis, causador da Meningite Eosinofílica e o A. costaricensis, causador da Angiostrongilíase Abdominal, enfermidade transmitida, preferencialmente, pelas lesmas nativas da família Veronicellidae, o principal hospedeiro intermediário da Angiostrongilíase Abdominal no Brasil. Só para se ter uma idéia, nunca houve um único caso, até o momento, de Angiostrogilíase Abdominal associada à transmissão pelo Caracol Africano no país.
Não há como negar a remota possibilidade da transmissão doAngiostrongilus cantonensis, um parasito de ratos que utiliza o Caracol Africano com hospedeiro intermediário e que, sob condições muito especiais, como quando ingerido cru ou mal cozido pode produzir, quando parasitado, a Meningite Eosinofílica. Mas de acordo com Neuhass (2007), autor de pesquisas sobre o tema, o Caracol Africano, o Achatina fulica não deve inspirar grande “preocupação sobre a possibilidade de transmissão do Angiostrongylus spp. Dados de animais coletados na Ilha de Santa Catarina estão em conformidade com os dados experimentais: a infecção com larvas de metastrongilídeos não parece ser um problema significativo em populações naturais do caramujo gigante.”
Isso significa dizer que o risco que corremos em contrair a Meningite eosinofílica, através do Achatina fulica é insignificante do ponto de vista estatístico, já que foram associados a ele, apenas, dois óbitos em 23 anos em todo o território nacional.
A Esquistossomose, uma grave doença transmitida por caramujos do gênero Biomphalaria, nativos do Brasil, é responsabilizada pelo óbito, no mesmo período de 23 anos, de “14.463” brasileiros, de acordo com Ferreira (2010, p.69), significando que, para cada caso confirmado de óbito por Meningite Eosinofílica transmitida pelo Achatina fulica no Brasil, temos 7231 óbitos por “barriga d’água”. E não vejo nos jornais uma só palavra contra essa espécie brasileira.
Outro exemplo relaciona-se à Cisticertose, uma doença transmita por um parasito presente na carne de porco que, tradicionalmente, consumimos a gerações e que, apenas em 2008, foi responsável, de acordo com o Datasus, por 94 óbitos. O mais curioso, repito, é ver que a imprensa não divulga esses dados, preferindo fazer sensacionalismo para atrair a atenção do público e vender jornais instaurando o terror contra o caracol africano que, até hoje, causou prejuízos infinitamente menores à saúde humana e poderá, se permitirem, trazer muitos benefícios, especialmente, no aspecto nutricional e farmacológico, pois além de rico em nutrientes e sais minerais, possui propriedades medicinais que vem sendo descobertas até para o tratamento de tumores malignos.
O caracol africano, de uma maneira geral, não difere muito dos demais caracóis, exceto pela sua precocidade, alta taxa reprodutiva, grande rusticidade e sua alta resistência as doenças, no entanto, apesar dessas excelentes qualidades, sua criação foi proibida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, contrariando o parecer favorável da Comissão de alto nível que em 2002, definiu sua criação “como social e economicamente viável desde que conduzida segundo as diretrizes propostas de modo a não agredir o meio ambiente e preservar a saúde pública.” (LOBÃO, p.42, 2002).
No entanto, o aproveitamento do caracol asselvajado para alimentação deve ser estimulado como complemento alimentar, contribuindo para minimizar as estatísticas de morte por anemia ferropriva e para o controle populacional dessa espécie exótica na natureza.
A ciência deveria ser utilizada para a obtenção de conhecimentos, para a busca por explicações corretas, honestas e socialmente compartilhadas. Mas isso nem sempre acontece. Os argumentos que venho utilizando em meus informativos para justificar o aproveitamento racional desta espécie invasora como forma para combatê-la são baseados em pesquisas científicas nacionais, que expressam as conclusões de pesquisadores sérios, mas que, apesar de sua objetividade, não conseguem influenciar o pensamento científico de alguns especialistas. Mas a verdade é que contra fatos não existe argumentos.
O Caracol Africano já se naturalizou brasileiro, pois desde a sua introdução criminosa, há 23 anos, está presente em todos os estados brasileiros, exceto, Roraima. Isto é um fato. Durante esse tempo é responsabilizado por apenas dois óbitos por meningite eosinofílica, um caso em Vitória e outro em Recife que, embora trágico do ponto de vista humanístico não é significativo do ponto de vista estatístico.
A espécie possui uma grande aptidão zootécnica, que pode ser utilizada como uma fonte barata e abundante de nutrientes de alta qualidade e ainda é promissora do ponto de vista farmacológico, inspirando o desenvolvimento de experimentos exitosos até contra o câncer. Mas acredito que o preconceito sobre o tema tem impedido o livre pensamento científico e quem perde, mais uma vez, é a sociedade.
A “praga” é uma realidade irreversível. Olhar para o outro lado sem encarar o problema de frente, não é uma opção, muito pelo contrário. Para controlar essa espécie invasora e extremamente prolífera, que se multiplica mais rápido que o empenho dos funcionários dos centros de zoonoses em todo o país em controlá-la; temos que sugerir formas práticas de aproveitamento, para gerar benefícios reais e ao mesmo tempo, promover o seu controle no ambiente.
Minhas sugestões para o aproveitamento racional dos caracóis africanos no país parecem indignar algumas pessoas, mas afirmações tais como: "o seu aproveitamento irá agravar a situação atual", no meu entender, não é ciência, é premunição e, como tal, deveria no mínimo, estar baseada em experiências práticas, o que é impossível, porque nada parecido ainda foi tentado intencionalmente.

Referência:

*NORDESTETUDOTEM.COM. Anemia infantil ainda é uma ameaça no Brasil. Disponível em: Acesso em: 08/03/2011
*AHEL, Wagdy Saw. Snails provide a tasty source of iron, study finds. Disponível em: Acesso em: 21/12/2010
*DNCIÊNCIA. Caracóis são ricos em proteínas e alimento nutritivo. Disponível em: Acesso em 11/05/2011
*LOBÃO, Vera Lúcia (Coord.). Comissão interinstitucional para o ordenamento e a normatização da criação da espécie exótica Achatina fulica. São Paulo, SP: Instituto de Pesca, Volume 2, 46 p. Março de 2002.
*NUTRIÇÃO GLOBAL. Caracóis, quebrando tabus alimentares. Disponível em: Acesso em: 11/05/2011
*NEUHAUSS, Erli; FITARELLI, Monaliza; ROMANZINI, Juliano; GRAEFFE-TEIXEIRA, Carlos. Low susceptibility of Achatina fulica from Brazil to infection with Angiostrongylus costaricensis e A. Cantonensis. Disponível em: Acesso em: 15/05/2011.

Publicado no Jornal A GAZETA DE ALAGOAS
AQUINO, M. C. 2011. Ciência e Preconceito – Artigo. Jornal “Gazeta de Alagoas”, Maceió, Sábado 06/08/2011, Caderno SABER. Disponível em: http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/lista_cadernos.php?cod=187126&ass=57&data=2011-08-06



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