Saturday, September 10, 2011

INTERDISCIPLINARIDADE: O AFRICANO EM TODOS OS ESTADOS DO BRASIL

Mauricio Aquino é médico veterinário, mestrando em Ciências da Saúde e ex-presidente da primeira associação de criadores de escargots do Brasil, a extinta AHRJ, no Rio de Janeiro.
Foto 1: Dra. Maria de Fátima Martins, Dr. José Willibaldo Thomé e senhora e eu.
Este foi o primeiro EBRAM de que participei e desejo transmitir aos organizadores os meus sinceros parabéns; primeiro pela organização impecável, segundo pelo alto nível das participações, em terceiro pela belíssima cidade escolhida para sediar o evento e, finalmente, por aceitar em seu quadro de participantes, profissionais de distintas áreas, como eu!
Da mesma forma que uma paisagem pode adquirir aspectos surpreendentemente diferentes se apreciada de ângulos distintos, esta analogia pode adequar-se a ciência, por exemplo, pois diferentes profissionais podem sugerir diferentes soluções para um mesmo problema. No meio científico costuma-se definir o especialista como o profissional que sabe muito sobre quase nada! Claro que é uma piada de pesquisador, mas que no fundo, não deixa de ser o reconhecimento de uma verdade, por isso, o conceito de interdisciplinaridade é tão contemporâneo.
Durante o Encontro Brasileiro de Malacologia (EBRAM 2011) em Fortaleza pude avaliar esta necessidade na prática e tenho convicção de que uma aproximação entre os malacologistas, os profissionais da área de saúde e os da área de produção poderia ampliar, significativamente, o intercâmbio de informações, contribuindo para a geração de parcerias exitosas, ampliando os benefícios adquiridos através dos seus resultados.
Em Fortaleza, por exemplo, o painel sobre a nova metodologia de criação intensiva de caracóis trará benefícios para muitos pesquisadores da área que, a partir de agora, associarão praticidade para a manutenção dos caracóis em ambiente de laboratório com o exercício do bem estar animal. Este novo método foi desenvolvido por um médico veterinário e serve como um exemplo das vantagens da interdisciplinaridade para a malacologia.
Não resta dúvida de que o caracol africano, ou simplesmente, Africano, como será chamado de agora em diante neste artigo, veio para ficar, pois posso afirmar agora, complementando as informações repassadas durante a palestra da Dra Thiengo em Fortaleza que, hoje, o africano está presente em todo o país, sem exceções, apesar dos intensos esforços das autoridades para eliminá-lo. Em 2010 já havíamos declarado, Aquino e Agudo-Padrón (2010) sua presença em 25 dos 26 estados brasileiros, baseados em respectivas publicações jornalísticas, com exceção de Roraima mas, os dois estados onde até agora, acreditava-se livre desta espécie, de acordo com a palestrante, o Rio Grande do Sul e o Acre, na verdade, já estão infestados.
Foto 2: O Dr. José Willibaldo Thomé, a Dra. Silvana Thiengo (uma das maiores especialistas desse país em patologia de caracóis) e eu.
No Rio Grande do Sul, o geógrafo e malacologista Ignacio Agudo cita a existência de populações bem estabelecidas do Africano no município de Torres, na divisa com Santa Catarina (SC), informações estas repassadas para a Dra Mansur pouco antes do seu mini curso sobre Invasores Continentais ofertado no EBRAM 2011; já no estado do Acre, Oliveira (2008) relata a sua ocorrência em Acrelância, a primeira cidade planejada do Acre, que faz limite ao norte com Amazonas e Rondônia, ao sul e a sudoeste com o município de Plácido de Castro, a leste com a Bolívia e a oeste com o município de Senador Guiomard, desde 20 de março de 2008.
Interessante que muita gente culpa, exclusivamente, os criadores do Africano pela grande infestação que hoje, afirmo, tomou todo o país, simplesmente, acusando esse segmento de ter abandonado seus plantéis na natureza devido à falta de mercado.
O que ninguém comenta é que, em São Paulo, estavam para ser inauguradas, antes da proibição da criação do Africano, cooperativas que, de acordo com Aquino (1989) * iriam resolver o maior de todos os problemas dos criadores de caracóis no Brasil, a falta do mercado.
Para uma melhor localização temporal “em 2003, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) “oficializaram a ilegalidade na comercialização de A. fulica e em 2004, uma lei similar foi promulgada no estado de São Paulo (Lei 11.756). A proibição da criação e comercialização em todo território nacional veio a partir de 2005 com a instrução normativa número 73 do IBAMA, a qual passou a considerar o caramujo gigante africano, A. fulica, como não pertencente à fauna silvestre nativa, sendo, portanto, uma espécie exótica invasora, nociva às espécies silvestres nativas, ao ambiente, à agricultura e à saúde pública, e autorizando a implementação de medidas de controle, coleta e eliminação”. (THIENGO et. al., 2007 apud COLLEY, pg. 674, 2009)
Nesta época se afirmava, extra-oficialmente, que o Caracol Africano já era responsável por óbitos no Brasil, o que era uma inverdade, talvez, para justificar a adoção destas medidas e buscar o apoio da opinião pública, pois de acordo com Caldeira et al (2007, pg. 887-889) o primeiro relato de Africano contaminado foi realizado em 2007 através de uma nota científica.
Foto 3: Africano
É visível o esforço para caracterizar a espécie como persona non grata no Brasil e foi exatamente por isso que os criadores ameaçados criminalmente e portanto, revoltados, simplesmente desfizeram-se dos seus plantéis da forma mais rápida conhecida, simplesmente, jogando-os fora. Logo, a culpa não pode e nem deve ser atribuída apenas aos criadores, ou ao governo que proibiu a criação do Africano que até então estava confinado em caixas mas, principalmente, aos técnicos que atacaram a atividade desde o início, os que usaram a imprensa para difundir suas neuroses, aos que correram atrás dos seus 15 minutos de fama paramentados em peles de cordeiros. Em nenhum momento houve avaliação prévia das consequências desta proibição que conseguiu apenas criar o pânico e espalhar os caracóis, por todo o país, praticamente ao mesmo tempo.
Esta atuação quase maquiavélica foi tão eficiente que conseguiu, inclusive, fazer desconsiderar o parecer favorável da Comissão de Alto Nível que definiu, a pedido do próprio governo, “a sua criação como social e economicamente viável desde que conduzida segundo as diretrizes propostas de modo a não agredir o meio ambiente e preservar a saúde pública.” (LOBÃO, p.42, 2002).
Há um consenso no meio malacológico de que a "Campanha Pública Terrorista" conduzida desde o ano de 2003 " ‘Pro Erradicação do Achatina (Lissachatina) fulica no Meio Ambiente do Brasil’ têm como reflexo, a imediata e indesejável aceleração do processo de extinção das nossas espécies nativas de caracóis terrestres, a tempo ameaçadas pelas diversas ações antrôpicas que agridem o nosso meio ambiente natural, especialmente os representantes específicas das Famílias BULIMULIDAE, STROPHOCHEILIDAE e MEGALOBULIMIDAE, muitas delas formas raras, endêmicas e no geral muito pouco conhecidas cientificamente até hoje.” (AGUDO-PADRÓN, 2011)
Pois bem, de lá para cá, muitas outras sandices foram praticadas, entre elas, a difusão em larga escala de inverdades que definiram o Africano como espécie não comestível ou vetor de grande especificidade e responsável pela transmissão de um significativo número de casos de Meningite Eosinofílica e Angiostrongilíase Abdominal, como se ele fosse, ainda, o único capaz de transmití-las em todo território nacional.
A imprensa sempre a procura de notícias de impacto, foi contaminada pela pior de todas as doenças, o preconceito e acabou por ser o maior aliado dos destemidos narcisistas da ciência.
Apesar de não se poder afirmar que a maioria das ocorrências de Meningite Eosinofílica tenham sido causadas pelo Africano, apenas um entre os hospedeiros intermediários do Angiostrongylus cantonensis no país, ele ganhou um papel de destaque em toda a essa história, mesmo não tenho sido responsabilizado por mais de 2 óbitos, inconclusivos, em 23 anos no Brasil. Por conta disso, hoje, o terrorismo sanitário está sendo levado a toda a América Latina!
Foto 4. Picanha ou Escargot?
Um bom exemplo são os primeiros casos de meningite eosinofílica diagnosticados no Brasil, ocorridos em Cariacica, a 15 Km de Vitória, que acabaram virando motivo de pilhéria. Lá tivemos duas ocorrências de ME em janeiro de 2007, há 4 anos. Em ambos os casos as principais queixas foram dor de cabeça, rigidez da nuca e distúrbios visuais. Estas ocorrências estão relacionados a uma “lesma de jardim”, a Sarasinula marginata que foi, acredite, ingerida crua numa disputa de “coragem” entre dois indivíduos, provavelmente alcoolizados, num típico churrasco de domingo.
Cada um comeu a metade da mesma lesma em dezembro de 2006 e, em 23 de janeiro de 2007, a Secretaria de Saúde foi notificada da ocorrência da doença. No AchatinaNews n° 8 o leitor pode encontrar mais informações sobre este caso, além de outros artigos de interesse sobre o tema.
Este episódio deixa claro que a maior carência de nosso país é a educação básica, portanto, ver pesquisadores esclarecidos, expondo opiniões pessoais contra o hábito de consumo do Africano, uma espécie invasora, que poderia estar trazendo benefícios imediatos às comunidades mais carentes ou, no mínimo, aos seus animais, devido a sua abundância é simplesmente um desperdício de conhecimento.
Ao invés de difundir que o cozimento do Africano por 20 minutos em panela de pressão elimina qualquer ameaça de ME, a ciência nesse caso tem sido utilizada apenas para exacerbar os aspectos negativos do animal, como as doenças potencialmente transmissíveis e raras por ele transmitida, por exemplo, gerando pânico entre outros prejuízos ambientais, como o estímulo a atual chacina contra os nossos moluscos nativos. Isso sim, deveria ser considerado crime ambiental.
Os Africanos são comestíveis como qualquer outra espécie exótica introduzida no país como os bovinos, suínos, caprinos, ovinos, avestruzes, javalis, tilápias, pombos, abelhas... enfim, a lista é grande... e podem, como todas elas, transmitir, em condições especiais, algumas zoonoses, inclusive fatais.
No entanto, divulgar a forma de abate ideal ou o seu correto preparo para o consumo, colaborando para a preservação das espécies nativas e para o controle do Africano, parece mais fácil do conter o ego de poucos narcisistas do meio científico que se perpetuam na mídia através de discursos apocalípticos.
No momento estou desenvolvendo pesquisas em zooterapia com o muco do Achatina fulica, seguindo os passos da Dra Maria de Fátima Martins, da USP, pois tenho convicção de que sua fisiologia pujante, aperfeiçoada ao longo de 150 milhões de anos pela seleção natural, possa, sinceramente, trazer benefícios práticos para auxiliar o homem em suas necessidades: "Mater artium necessitas".
Reflitamos sobre o assunto, afinal, somos animais racionais, verdade?

Referências:

AGUDO-PADRÓN, A. Ignacio. Projeto "Avulsos Malacológicos - AM", Florianópolis/ SC, Com. pers. 2011.

AQUINO, Mauricio C. Uma saída para a Criação de Escargôs. Rev Guia Rural, Ano 3, nº 8, ago d/e 1989.

AQUINO, Mauricio D. E agora IBAMA?. Informativo AchatinafulicaNEWS, Maceió -AL, 2011, (9): 8-11. Disponível em: Acesso em: 09/09/2011

AQUINO, Mauricio C. & AGUDO-PADRÓN, A. Ignacio. A F.A.O. incentiva o consumo de insetos em todo o mundo. Inf AchatinafulicaNews. Disponível em: . Acesso em: 10/09/2011.

COLLEY, Eduardo; FISCHER, Marta Luciane. Avaliação dos problemas enfrentados no manejo do caramujo gigante africano Achatina fulica (Gastropoda: Pulmonata) no Brasil. ZOOLOGIA 26 (4): 674–683, December, 2009.

LOBÃO, Vera Lúcia (Coord.). Comissão interinstitucional para o ordenamento e a normatização da criação da espécie exótica Achatina fulica. São Paulo, SP: Instituto de Pesca, Volume 2, 46 p. Março de 2002.

OLIVEIRA, Luízio. Uma infestação de caramujos africanos em Acrelândia preocupa a população. Disponível em: Acesso em: 10 de set de 2011.

(*) Perdoem-me pela autocitação, mas não encontrei nenhuma outra referência ao tema, no Brasil, na mesma época.

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